terça-feira, 9 de setembro de 2014

COMO LIDAR COM A CULTURA DA PRESSA

 Elisa Tozzi, da 

A cultura da pressa está instituída nas empresas e deve durar muitos anos”, diz ­Sigmar ­Malvezzi, professor da Fundação Dom Cabral, escola de negócios de Minas Gerais. Se não dá para lutar contra a realidade, o jeito é se adaptar para lidar com a urgência da melhor maneira possível.
É urgente mesmo?
Uma pesquisa feita pela Robert Half, empresa de recrutamento de São Paulo, sob encomenda para a VOCÊ S/A com 1.022 profissionais brasileiros, revelou que 56% das pessoas dedicam de 30% a 70% do dia de trabalho a tarefas urgentes. E sobra pouco tempo para os projetos importantes de longo prazo.
As atribuições que mais afetam são solicitações de última hora do chefe; excesso de e-mails; reuniões­ inesperadas; telefonemas de clientes e pedidos não planejados e novos projetos. São pequenas interrupções que podem consumir o dia, atrapalhar a realização do que é importante e aumentar o estresse.
Por isso é fundamental entender o teor desses pedidos e criar a distinção entre o que é urgente de fato (e precisa ser resolvido o mais rápido possível) e o que é estratégico (e deve ser entregue no prazo, independentemente das urgências que surgirem no caminho). “Quando há clareza sobre os objetivos de sua área e da empresa, fica mais fácil definir prioridades”, diz Ricardo Jucá, da Atingire, consultoria de São Paulo.
Quem costuma pensar estrategicamente para não se enrolar com as pendências é Adriane Machado, de 46 anos, diretora comercial da Seriana, indústria do segmento gráfico de Belo Horizonte. “Nos momentos em que as urgências aparecem, costumo me perguntar qual é o foco da empresa, a fim de conseguir escolher o que fazer primeiro”, diz Adriane.  Como ela gerencia uma equipe, faz reuniões periódicas com o intuito de alinhar o direcionamento. “A segurança das decisões ­diárias aumenta quando se sabe o ­caminho a seguir.”
Negociação eficiente
Depois de separar as tarefas urgentes das importantes, é o momento de negociar. Inclua seu gestor na conversa, mesmo que a pendência parta de um colega ou de um cliente que pede um ajuste em algum projeto. “Nem sempre o chefe sabe como está a agenda de cada membro da sua equipe”, diz Adriana Prates, da Dasein Executive Search, empresa de seleção de executivos de Belo Horizonte.
Por isso é necessário ter uma comunicação clara e mostrar a ele tudo o que você tem para fazer — objetivamente, a fim de que não pareça desmotivado ou folgado. Indique as urgências que surgiram no dia e peça ajuda para organizar a lista de afazeres.
Pense também no tempo que vai levar para cumprir cada uma dessas tarefas. Nessa conversa, tente estabelecer limites para o volume de atribuições. Só assim você terá chance de conseguir cumprir o que promete no período estabelecido. “Muitas vezes os prazos são curtos porque o profissional tem a fama de não entregar a tempo”, diz Fernando Mantovani, da Robert Half.
A estratégia de chefes e clientes é pedir para uma data mais próxima porque já contam com o atraso.” Em alguns casos, ainda mais se você gerenciar uma equipe, a solução é delegar.
“Pedir ajuda a quem é mais competente naquele assunto ou a quem está com a agenda um pouco mais folgada é melhor do que emendar horas extras”, afirma Beth Zorzi, da Quota Mais, consultoria de São Paulo.
Vale lembrar que você não pode abraçar o mundo, e ter humildade para gritar por socorro na hora do desespero é melhor do que virar a noite no escritório.
Questão de planejamento
Lidar com urgências significa trabalhar com imprevistos, mas isso não quer dizer que você tenha de deixar o planejamento de lado.
Planejar-se bem ajuda a apagar os incêndios com mais eficiência e a lembrá-lo de que precisa largar o extintor em perío­dos específicos se quiser entregar os projetos de longo prazo que estão sob sua responsabilidade.
Separe sempre um tempo para os imprevistos que vão, inevitavelmente, acontecer.   Ainda mais se estiver em uma área em que o imediatismo é maior, como serviços, saúde e tecnologia. O planejamento evita cair no culto da pressa e resolver problemas de qualquer jeito para tirá-los da frente sem pensar na qualidade.
Há uma reclamação dos profissionais de que os chefes não estimulam as equipes a separar tempo para os projetos de longo prazo — essa é uma queixa de 64% dos entrevistados para a pesquisa da Robert Half. Na VIS Corretora, butique de seguros de São Paulo, o CEO, Nicholas Weiser, de 34 anos, criou um plano estratégico de prazos e metas.
“Até o ano passado, eu só apagava incêndios e sabia que isso prejudicaria o crescimento dos negócios”, diz Nicholas. Para fugir dessa roda-viva, ele estruturou, ao lado de um conselho administrativo, as metas de curto, médio e longo prazo. “Depois, criamos uma agenda de cumprimento de tarefas por área e reuniões mensais, bimestrais e anuais de acompanhamento.”
Isso facilitou a vida dos funcionários e aumentou a eficiência da empresa. “As ações são muito mais objetivas agora”, afirma Nicholas. Se seu chefe não tomou essa atitude, a organização deve partir de você mesmo. Estabeleça metas paralelas para as urgências e para os grandes projetos, e fique com elas sempre na cabeça.
Antes de sair do escritório, olhe sua agenda do dia seguinte e faça este raciocínio: quanto tempo eu preciso me dedicar ao que é mais complexo ou àquela tarefa mais importante? Faça uma estimativa e tente encontrar períodos em que o escritório esteja mais calmo para você ter tranquilidade de raciocinar.
Bombeiros corporativos
Alguns profissionais preferem trabalhar pressionados. Para um “bombeiro corporativo” há certo glamour em cumprir as tarefas urgentes e entregar resultados que parecem impossíveis. Muitos se sentem realizados por ter alcançado objetivos difíceis em curtíssimo tempo. Mas esse é um perfil específico. “Profissionais desse tipo têm a urgência como um valor pessoal”, diz Beth Zorzi, da Quota Mais.
É o caso de Leonardo Paolucci, de 44 anos, consultor independente de Belo Horizonte. Especializado em criar sistemas financeiros, ele, que hoje trabalha em parceria com a Universidade de São Paulo para criar um novo modelo de contabilidade para o setor público, se sente realizado com projetos de prazos apertados.
O mais emocionante foi o que desenvolveu para a FIAT na virada de 1999 para 2000. Na época, as empresas estavam preocupadas com o bug do milênio, que afetaria os sistemas informatizados por causa da mudança dos dígitos 99 para 00. Leonardo foi contratado pela montadora com o objetivo de criar um sistema que fosse seguro contra o bug em seis meses.
“O pior não foi o prazo curto, mas descobrir que muitos dos dados necessários para desenvolver o programa estavam ou em papel ou na cabeça dos gestores — tanto no Brasil quanto na Itália”, diz Leonardo. Para dar conta, ele fez um planejamento com metas de curto e longo prazo que precisavam ser cumpridas pela equipe de 20 pessoas. “Foi gratificante entregar um projeto que ninguém achava que ficaria pronto no prazo.”
O lado bom da pressa
Engana-se quem pensa que cultivar o senso de urgência é algo necessariamente negativo. Ter comprometimento para cumprir os prazos, vontade para colocar os projetos em pé e organização para não procrastinar são qualidades importantes — e responsáveis por construir o bom senso de urgência.
O segredo é encontrar equilíbrio a fim de que esse senso de urgência do bem não se transforme em senso de emergência, quando você tem uma pilha enorme de pendências para resolver e se enrola por não prestar atenção no que é mais importante. Ter senso de urgência positivo é entender por qual motivo o que precisa ser feito deve ser realizado em determinada velocidade.

Se você compreender isso, tem mais chance de sobreviver em um mundo cada vez mais imediatista e em um ano tão incerto quanto o de 2014. Ainda dá tempo para você se destacar em seu trabalho.

Disponível na íntegra em http://exame.abril.com.br/revista-voce-sa/edicoes/194/noticias/e-muito-urgente

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