quarta-feira, 23 de janeiro de 2013

SANTA CRIATIVIDADE!

Esqueça o que você sabe sobre criatividade

Não faça brainstorming, durma mal, beba um pouco e viva distraído. você fará conexões iluminadas

por Rodrigo Rezende
Editora Globo
Mente Brilhante // Créditos: Dair Biroli
Copo de cerveja, música árabe, bailarina de dança do ventre. Escrevo esta matéria de um lugar meio inusitado. Fumaça, pessoas batendo palmas, casal discutindo. Estou a 500 km de casa, não conheço ninguém nesta cidade e tenho que entrevistar um cientista amanhã cedo. O que faço aqui, afinal? Tento ser criativo.
Pode parecer estranho, mas ajo segundo a ciência. De acordo com descobertas recentes é exatamente numa situação como essa que é mais provável ter ideias inovadoras. Foco, concentração extrema, reflexão solitária? Esqueça. Se você está em busca da ideia genial, é hora de rever seus conceitos. A fórmula para o insight pode estar onde você menos imagina.

ACRIVIDATIDE

Mas o que é um insight? Para tentar entender, vamos provocar um agora mesmo dentro de sua cabeça. Está vendo estas letras aqui: ULIGALE? Tente organizá-las para formar uma palavra. Se você entendeu o título aí em cima, já está craque nisso. Segundo Jonah Lehrer, autor do recente livro Imagine: How Creativity Works (Imagine: Como a Criatividade Funciona — ainda sem tradução para o português), existem dois métodos possíveis para resolver esse problema. Um deles é examinar, letra a letra, quais são as sílabas mais prováveis. E depois rearranjá-las até que surja uma palavra. O outro? Boa pergunta. A palavra simplesmente surge, como que por mágica, na sua mente. É o insight.

Os cientistas John Kounios, da Universidade Drexel, e Mark Beeman, da Universidade Northwestern, ambas nos EUA, deram um passo importante para desvendar o mistério do insight. Colocaram pessoas para resolver problemas semelhantes ao que você viu dentro de máquinas de ressonância magnética. Perceberam que uma área se torna mais ativa quando alguém tem um lampejo. Com um pouco de tecnologia, os cientistas provaram que pensamento criativo não é feitiçaria: envolve uma parte específica da nossa cabeça. Coloque a mão alguns centímetros atrás da orelha direita. Parabéns, você acaba de tocar uma espécie de ponto G da criatividade em sua mente. Esse pequeno pedaço de tecido cerebral (o giro temporal superior anterior) entra em ação quando você interpreta temas literários, cria metáforas e entende uma piada. E também ao resolver problemas pelo método “mágico”.

Colocar uma qualidade mental tão nobre e etérea no mapa do cérebro é um feito científico considerável. Mas Beeman e Kounios não pararam por aí. O que fizeram na sequência é de dar inveja a qualquer cartomante: previram o momento eureca. Hoje, eles são capazes de colocar alguém em uma máquina e dizer: “Você vai ter um insight em 8 segundos” ou “esquece, você não vai resolver o problema tão cedo”. Isso porque, antes do clímax das ideias, ocorre uma tempestade elétrica e um aumento de fluxo sanguíneo na área cerebral da criatividade. Como verdadeiros profetas, os cientistas leem esse sinais e conseguem prever o momento eureca. Para entender melhor experimentos como esse, a reportagem da GALILEU foi a Joinville (SC) conversar com um neurocientista.


SEM TEMPESTADE DE IDEIAS
Editora Globo
Criatividade // Créditos: Dair Biroli
São 7h30 da manhã. Em meio a 500 executivos engravatados, ouço um palestrante de apenas 30 anos citar versos da música Like a Rolling Stone, que Bob Dylan lançou em 1965. Quem vê cara, não vê currículo. Além de ser autor de Imagine, seu terceiro livro, Jonah Lehrer é ex-pesquisador do Centro de Neurobiologia e Comportamento (laboratório do ganhador do Nobel de Medicina de 2000 Eric Kandell na Universidade de Columbia, EUA). Ele ainda editou a badalada revista Wired e integra a equipe da New Yorker.

Nos últimos tempos, Lehrer vem rodando o planeta dando palestras para o alto escalão corporativo. Duas horas depois da apresentação na feira ExpoGestão 2012, ele me recebe. “Dormi só 5 horas. Estou mais criativo agora?”, pergunto. Jonah responde: “Se você é uma pessoa com hábitos noturnos, sim”. E dispara a falar sobre outras conexões estranhas. “Quando você está meio grogue, quando é meio avoado, quando está relaxado e, às vezes, até quando toma uma cerveja, tende a ficar mais criativo.” Acredite: o discurso não tem nada de hippie. Pelo contrário. Enquanto ele falava sobre o processo caótico de composição de Bob Dylan, administradores superconcentrados anotavam seus conselhos.

O motivo? Criatividade gera dinheiro. E, segundo a ciência, muitos métodos usados para turbinar a inovação no escritório estão errados. Exemplo: o brainstorming, tática de expor o máximo de ideias em uma reunião sem criticar os demais integrantes do grupo. “Para aumentar nosso potencial imaginativo, temos que focar somente na quantidade de ideias. A qualidade virá depois”, disse o criador da técnica, Alex Osborn, nos anos 40. A teoria parece boa, mas a prática nem tanto. “Décadas de pesquisa provam que pessoas em grupos de brainstorming têm menos ideias que as que trabalham sozinhas”, diz o psicólogo Keith Sawyer, da Universidade de Washington (EUA).

Em um estudo, Sawyer dividiu 48 pessoas em 12 grupos de brainstorming e as colocou para resolver problemas. Depois comparou as soluções com as de pessoas que trabalhavam sozinhas nas mesmas questões. O segundo grupo teve o dobro de ideias, e elas eram mais práticas e eficazes, segundo especialistas. Moral da história: a crítica é necessária ao aprimoramento das ideias, mesmo que seja a autocrítica.

CANSADO E DISTRAÍDO

Em uma pesquisa divulgada em fevereiro deste ano, a cientista americana Mareike Wieth colocou 428 estudantes grogues de sono para resolver dois tipos de problema: questões analíticas (equações simples e contas de divisão) e enigmas criativos (parecidos com os que você resolveu). Ao contrário do esperado, o desempenho dos sonolentos foi igual ao de estudantes sem sono nas contas matemáticas. Já nas questões criativas, a surpresa foi ainda maior: a performance melhorou em até 50%. Já um estudo publicado este ano pela Universidade de Illinois (EUA) usou pessoas alcoolizadas (0,075 de con centração alcoólica no sangue) para resolver problemas criativos. Resultado: o desempenho melhorou em 30%. “Uma cerveja antes do almoço é muito bom para ficar pensando melhor”, escreveu Chico Science. Mal sabia ele quanta science poderia existir nisso.

Outro ponto polêmico: distrações podem te deixar mais criativo. Faça este teste usado pela psicóloga americana Holly White em uma pesquisa sobre distração e criatividade. Observe a seguinte conta, que está errada: III = III + III. Agora tente corrigir a equação movendo apenas um dos traços (resposta no rodapé da última página desta matéria). Se acertou, parabéns. Mas talvez você tenha conseguido justamente por ser mais distraído do que a média. Ser avoado deixaria você mais aberto às associações mentais inesperadas, a chave para boas ideias, diz a ciência.

Na pesquisa feita por White, estudantes com Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) foram muito melhor em testes de criatividade. Eles também haviam ganhado mais prêmios e menções honrosas em todas as áreas do conhecimento, da arte dramática à engenharia. Pessoas distraídas geralmente têm mais atividade no hemisfério direito do cérebro. “O mundo é tão complexo que a cabeça tem que processá-lo de dois jeitos diferentes”, afirma Beeman. “É preciso enxergar uma árvore só e a floresta inteira ao mesmo tempo. O hemisfério direito é quem ajuda a ver a floresta.”

Para Lehrer, é exatamente essa visão global que está por trás do pensamento criativo. Na palestra para os executivos no Brasil, ele contou como Bob Dylan só foi capaz de criar sua obra-prima Like a Rolling Stone depois de se distrair, abandonar uma turnê e entrar em uma espécie de transe. “Eu me vi do nada escrevendo essa música, uma longa história vomitada em 20 páginas”, afirmou Dylan. “É uma mistura de La Bamba, poesia beatnik e Beatles”, diz Lehrer. “O que ele fez foi enxergar o estranho fio que conecta tudo isso. Enquanto escrevia, seu hemisfério direito encontrou um jeito de juntar essas influências incongruentes em um hit musical.”

Foi justamente para investigar a relação entre distração e criatividade que comecei a escrever esta matéria em um restaurante. Mas por que árabe? E por que tão longe de casa? Segundo estudos recentes, quanto mais distante você está — física ou psicologicamente — de onde mora, mais criativo tende a ser. Em uma pesquisa da Indiana University (EUA), estudantes pontuaram mais em um teste de usos criativos de meios de transporte só por imaginar que eles haviam sido concebidos ou seriam usados em outro país.

NÃO SOLTE AS AMARRAS

Viajar e se distrair ajuda a ter boas ideias. Afinal, criatividade é sinônimo de liberdade, não é? Segundo estudo da psicóloga Janina Marguc, da Universidade de Amsterdã, não. O resultado de sua pesquisa sobre o impacto de restrições na criatividade mostra que, se me deixassem escolher o tema e o tamanho desta matéria, por exemplo, o resultado seria menos criativo. Ter uma ordem mais estrita, no caso, “escreva 10 mil caracteres sobre criatividade”, libertaria a parte do meu cérebro ocupada em definir tamanho e tema e deixaria mais processamento cerebral à disposição para gerar ideias. Isso aumentaria o acesso a insights que surgem no inconsciente, o que deixa qualquer pessoa mais inovadora.

A revolução na neurociência da criatividade é mesmo uma faca de dois gumes. Dá argumentos para você se libertar do escritório e da sala de aula, porém justifica as ordens do chefe.Mas ainda há um meio de garantir seu livre-arbítrio durante o processo de criação. Basta usar o argumento de autoridade de um dos homens mais geniais da história: “Criatividade é o que ganhamos com tempo gasto à toa”. Se te perguntarem “Quem foi o Einstein que disse isso?”, é só responder: o próprio — vulgo Albert.


Dicas

Antes só
Fazer brainstorming não é uma boa. Segundo pesquisa da Universidade de Washington (EUA), simplesmente dar e ouvir palpites sem poder fazer críticas não ajuda a aprimorar as ideias. Quem quebra a cabeça sozinho pode conseguir até o dobro de soluções para um problema.

Siga os bons

Tudo azul
Recorra aos ambientes ou mesmo a uma folha azul para resolver problemas. Pesquisa da Universidade British Columbia (Canadá) revelou que a cor favorece os insights. Por remeter a ambientes amplos como céu e mar, ajudaria a expandir a mente.

Corra do vermelho
Ele funciona como o sinal do “pare” no semáforo. No estudo da British Columbia, ajudou na memória e atenção, mas prejudicou a criatividade, já que lembra restrição.

Pense dormindo
Quanto mais sonolento estiver, melhores ideias terá. O cansaço melhorou em até 50% o desempenho em testes de criatividade feitos pela psicóloga cognitiva Mareike Wieth, da Albion College (EUA).

Sonhe acordado
Você vive no mundo da lua? Continue assim. Uma pesquisa de Jonathan Schooler, da Universidade da Califórnia (EUA), descobriu que gente desligada se sai melhor em diversos experimentos de criatividade.

Seja criança
Criar pode ser uma brincadeira. Literalmente. O psicólogo Michael Robinson, da Universidade da Dakota do Norte (EUA), pediu que pessoas imaginassem ter 7 anos de idade. Resultado: elas se deram muito melhor em testes criativos.

Solte o riso
Rir é o melhor remédio. Mark Beeman e John Kounios (responsáveis pela descoberta do ponto G da criatividade) mostraram um video de stand-up comedy do Robin Willians para algumas pessoas e, depois, as colocaram para resolver problemas. O desempenho foi 20% melhor do que o de quem havia assistido a vídeos chatos
ou assustadores.

Saia do campo
Se você quer ter uma grande ideia, fuja das áreas rurais. Físicos do Instituto Santa Fé (EUA) descobriram que mudar de uma cidade pequena para uma grande aumenta em 15% a chance de criar uma nova patente.

Ah, Vá tomar banho
Quem diz isso é o psicólogo Joydeep Bhattacharya, da Universidade Goldsmith (Londres). Ele descobriu que o banho aumenta a quantidade de ondas cerebrais alfa, que faz crescer a chance de você ter um insight.

http://revistagalileu.globo.com/Revista/Common/0,,EMI314406-17771,00-ESQUECA+O+QUE+VOCE+SABE+SOBRE+CRIATIVIDADE.html

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