terça-feira, 17 de abril de 2018

É POSSÍVEL SER FELIZ NO TRABALHO?


Rodrigo Caetano
A depressão provoca uma perda anual de US$ 246 bilhões na economia global. Entenda por que a busca pela felicidade agora faz parte da estratégia de grandes empresas e como o autoconhecimento é parte fundamental para você se encontrar na profissão

No escritório do Google em São Paulo, um grupo de funcionários se reúne diariamente, ao meio-dia, para meditar. Eles praticam o mindfulness (atenção plena, em inglês), que busca usar técnicas de concentração e respiração para melhorar a qualidade de vida. Na cervejaria Ambev, o foco é outro. A empresa acredita na recompensa pela meritocracia. A ênfase nos resultados é um valor da companhia de Jorge Paulo Lemann, Beto Sicupira e Marcel Telles, que procura contratar profissionais ambiciosos e arrojados. São empresas muito diferentes, mas com uma característica em comum: seus funcionários são engajados e seguem à risca suas culturas corporativas. Por isso, tanto Daniel Borges, diretor de recrutamento e seleção do Google, como Fábio Kapitanovas, vice-presidente de gestão e pessoas da Ambev, garantem que é possível ser feliz em ambas as corporações.

Apesar de o tema ainda ser controverso, as empresas têm se preocupado cada vez mais com seu papel na saúde mental dos empregados. Isso significa que a busca pela felicidade está deixando de ser uma atividade restrita ao tempo livre das pessoas. Até universidades, como a Yale, criaram cursos sobre o tema. O “Psicologia e boa vida”, lançado no início deste ano, esperava reunir uma centena de alunos. Após ultrapassar a marca de mil inscrições, a universidade disponibilizou seu maior auditório para as aulas. “Não há como ser eficiente com funcionários infelizes”, afirma Fernando Mantovani, diretor-geral da Robert Half no Brasil, uma das maiores empresas de recrutamento do mundo. “É preciso mudar a forma como encaramos essa questão.”

Há um motivo econômico que leva a felicidade a entrar na pauta das empresas. Um estudo realizado, em 2016, pela London School of Economics (LSE), um dos mais prestigiados centros de estudos da Inglaterra, aponta que a depressão, doença que ganhou o título de “o mal do século 21”, é responsável por uma perda de US$ 246 bilhões na economia mundial, em decorrência do absenteísmo e da redução da produtividade. Dos oito países pesquisados pela LSE, o Brasil é o segundo mais afetado, com um prejuízo de US$ 63,3 bilhões, atrás apenas dos Estados Unidos (leia quadro na pág. 42). No ano da pesquisa, a Previdência Social brasileira registrou o afastamento de 75 mil trabalhadores por depressão. Outro fator relevante é o aumento de 17% nos casos de ansiedade, entre 2012 e 2016, no Brasil. É preciso levar em consideração que a pior recessão da história do País contribuiu para amplificar o problema. “A crise econômica também dificulta o avanço do tema nas empresas”, diz Mantovani.

A culpa pela depressão corporativa sempre recaiu sobre o funcionário. Era ele quem deveria ser forte o suficiente para aguentar a pressão e ter resiliência. Mas isso pode ser perigoso quando extrapolado. No Japão, a jornalista Miwa Sado, repórter da maior emissora de TV pública japonesa, a NHK, morreu por insuficiência cardíaca após trabalhar 159 horas extras em um mês. O episódio aconteceu em 2013, mas só foi divulgado em outubro do ano passado. O caso reabriu as discussões sobre o equilíbrio entre vida e trabalho no Japão, que registrou, em 2016, mais de dois mil suicídios relacionados ao estresse corporativo. O trabalhador tem, de fato, uma responsabilidade por sua saúde mental. Mas é inegável que o ambiente de trabalho colabora ativamente para agravar quadros depressivos.

E o pior: são os funcionários mais engajados que sofrem mais, de acordo com Silvia Jardim, médica psiquiatra e professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Isso se deve ao fato de o bom empregado se importar mais com o resultado do trabalho. Quanto maior é a vontade de produzir, maior é o desencanto, o que leva ao esgotamento. “É uma contradição do nosso modelo de produção”, diz Silvia. Para mudar essa realidade, é preciso repensar o próprio sentido do trabalho. O emprego tem um significado que transcende as relações entre empregado e empregador. O homem corporativo não é feliz em si mesmo. Ele precisa de status, posição e título. Daí a frustração quando as coisas não dão certo. “O que a pessoa faz é parte importante do que ela é”, diz a professora da UFRJ.

A felicidade ainda é um tema controverso para o universo do trabalho, especialmente quando envolve doenças psiquiátricas, como a depressão e a bipolaridade. Alguns tabus em relação ao papel das empresas na saúde mental dos seus empregados precisam ser quebrados. A executiva Dyene Galantini, diretora adjunta de marketing da IHS Markit, multinacional britânica que atua no setor de informação e inteligência, foi diagnosticada, há 10 anos, com transtorno bipolar, doença grave que se caracteriza pelas alterações extremas de humor. Ela escreveu o livro “Vencendo a Mente – Como uma executiva de sucesso superou o transtorno bipolar” para derrubar as barreiras sobre a doença. “A maior dificuldade é o estigma e o preconceito”, afirma Dyene. Um problema semelhante afetou a vida da empresária Fátima Macedo, que criou uma consultoria especializada em saúde emocional. Sua irmã foi diagnosticada com um transtorno mental grave e foi demitida. Com a Mental Clean, criada em 2004, Fátima trabalhou em empresas do porte de Alcoa, Unilever, Furnas, John Deere e Aché para ajudá-las a melhorar o ambiente.

O estresse relacionado ao trabalho se tornou uma das principais causas de afastamento de funcionários, no Brasil e no mundo. Uma pesquisa conduzida pela International Stress Management Association, organização britânica dedicada ao tema, aponta que 90% dos trabalhadores brasileiros apresentam algum nível de ansiedade, sintoma que é um dos precursores do burnout, síndrome que se caracteriza pela exaustão emocional, despersonalização, redução da realização pessoal e está diretamente relacionada à organização do trabalho. O termo, que se traduz em esgotamento, ganhou força na última década.

As agruras de viver essa realidade é algo que Laís Trajano, sobrinha da empresária Luiza Helena Trajano, controladora do Magazine Luiza, conhece muito bem. Ela trabalhava em uma das maiores empresas brasileiras (cujo nome prefere manter em sigilo) quando sofreu um esgotamento. “Eu não conseguia agir, era como se nada fizesse sentido”, afirma Laís. Até então, ela era uma funcionária arrojada, pró-ativa, interessada e intraempreendedora, com objetivos pessoais e profissionais alinhados à estratégia do negócio. Cresceu rápido na carreira, chegando logo a cargos de gerência. Para quem olha de fora, poderia parecer uma vida perfeita. Mas, para ela, alguma coisa estava fora do lugar. “Eu descobri que precisava de um propósito”, diz a executiva, que decidiu largar o emprego para “se encontrar”. Não foi uma decisão fácil. Afinal, o trabalho representa uma grande parte da personalidade das pessoas.

Laís conta que, para sair da situação de esgotamento, teve de recorrer a uma série de ferramentas, desde consultas com psicólogos até meditação. Foi uma busca interna por sentido e autoconhecimento, que a ajudou a afastar a inércia e a paralisação decorrentes do burnout. Uma viagem pelo mundo, com uma importante passagem pela Índia, foi fundamental nesse processo. Quando voltou ao Brasil, ela não só se reencontrou emocionalmente como achou um emprego ideal na Avante, empresa social, criada pelo ex-sócio da XP Investimentos Bernardo Bonjean, especializada na concessão de crédito em regiões de baixo poder aquisitivo.

A companhia já oferecia algo que Laís procurava: um propósito – no caso, o de melhorar a vida das pessoas por meio do poder financeiro. Mas havia o algo a mais. Contratada para dirigir a área de recursos humanos, ela conseguiu implementar um programa de felicidade no trabalho que, inclusive, conta com uma pessoa focada exclusivamente no tema. Trata-se da indiana Rajshree Patel, uma especialista em construir ambientes de trabalho felizes, que foi nomeada como Chief Love Officer, uma espécie de diretora-executiva do amor. Segundo Bonjean, o mundo corporativo está gerando milhões de pessoas infelizes e era necessário fazer algo. “Recursos humanos são apenas recursos. Pessoas são fontes de energia”, afirma o CEO da Avante.

Considerada uma das mais pessoas mais influentes no campo do desenvolvimento pessoal, Raj, como é conhecida, assumiu a liderança do projeto de felicidade da Avante. A indiana já ministrou palestras em 35 países e trabalhou com companhias como Shell, Morgan Stanley, a Universidade Harvard e entidades como a ONU e o Pentágono, o comando militar dos Estados Unidos. O primeiro passo para a felicidade, diz ela, é fazer as pessoas se conhecerem. O autoconhecimento, através da meditação ou outros métodos, como terapia, é o ponto de partida. Na Avante, os funcionários são incentivados a buscarem esse tipo de exercício e, caso queiram, recebem orientações de como fazer.

O ponto mais delicado, no entanto, está na liderança. Encontrar um estilo equilibrado de comando é a peça-chave para uma empresa feliz. O trabalho de Raj consiste em, primeiro, convencer os líderes a encontrarem esse autoconhecimento. Depois, eles devem estabelecer uma dinâmica que respeite a individualidade dos comandados. Para ela, há uma diferença entre inteligência e consciência. No primeiro caso, trata-se de uma habilidade de análise daquilo que faz parte do seu dia a dia. No segundo, o que conta é a capacidade de compreender o que está fora da sua realidade. “Um executivo que gera riqueza, mas gasta metade de sua saúde, pode ser inteligente, mas não é consciente”, diz Raj.

ENGAJAMENTO Uma pesquisa feita pela Robert Half aponta que ter orgulho da organização em que trabalha e ser tratado com igualdade e respeito são os principais geradores de felicidade no trabalho (confira quadro “Em busca da felicidade“). O estudo avaliou os níveis de bem-estar de 23 mil profissionais, em oito países. A conclusão é que a felicidade é resultado da combinação entre a pessoa certa, na empresa certa, fazendo um trabalho interessante e significativo. “Isso só é possível quando a empresa é transparente”, diz Alexandre Teixeira, jornalista e escritor, autor do livro Felicidade S.A., resultado de uma extensa pesquisa sobre o assunto. Ele afirma que, em seus estudos, encontrou três empresas que, de fato, trabalham de forma eficiente a questão da felicidade: o Google, por sua capacidade de contratar e formar funcionários engajados; a Kimberly-Clark, que, no Brasil, conseguiu transformar um ambiente tóxico, resultado da fusão de duas empresas com culturas diferentes, em um lugar harmonioso (procurada, a empresa não deu entrevista); e a Ambev.

Encontrar a fórmula da felicidade é uma missão praticamente impossível. Mas existe um caminho para se chegar ao equilíbrio no escritório, e ele passa pelo autoconhecimento. O engenheiro Ricardo Oliveira, do Google, é um dos praticantes da meditação ao meio-dia. A atividade tem apoio da empresa, que permite a realização das sessões durante o expediente, em uma das salas de reunião. “Na correria do dia a dia, isso ajuda a manter o equilíbrio”, afirma Oliveira, que é conhecido como RSO entre os colegas. O Google é seu segundo emprego. Desde que passou a trabalhar para o gigante da tecnologia, Oliveira conta que sua vida e sua personalidade mudaram bastante. “Hoje, eu sou mais feliz”, afirma o engenheiro. Ele demonstra ser identificado com os valores e o propósito da empresa, pontos que contam muito para o sentimento de realização.

Mas isso não acontece naturalmente. Sua felicidade, apesar de ser fruto do esforço pessoal, foi orquestrada pela companhia a partir do primeiro contato. A estratégia, em curso desde a fundação do Google por Larry Page e Sergey Brin, envolve uma máquina corporativa eficiente, cujo objetivo é a contratação e a formação de “googlers”, como gostam de se referir, a si próprios, os funcionários da companhia. Esse rito começa a funcionar no momento da seleção dos candidatos. Segundo Daniel Borges, diretor de recrutamento e seleção da companhia, todas as contratações passam por uma comissão formada por diretores, nos Estados Unidos. O objetivo é garantir que o contratado tenha o perfil adequado para o Google e não apenas a capacidade técnica de realizar o trabalho. Com isso, a empresa garante uma unidade de pensamento. Pode não parecer, mas ter um padrão de comportamento bem definido na empresa é um dos principais motivadores da felicidade.
Mas o que explica o fato de algumas pessoas serem felizes em ambientes considerados pouco saudáveis pelo senso comum, como a Ambev? Apesar da cultura agressiva pela qual a companhia é conhecida, a cervejaria é um caso clássico de empresa com transparência. Quem se identifica com seu estilo pode ser muito feliz lá dentro. Caso contrário, é melhor nem tentar. “Nós acreditamos na meritocracia”, afirma Fábio Kapitanovas, vice-presidente de gente e gestão da companhia. “Isso significa dar autonomia para que a pessoa atinja seus objetivos.” A pressão por resultados é enorme na Ambev, um reflexo da postura de seu principal líder, Jorge Paulo Lemann, o homem mais rico do Brasil, dono de uma fortuna estimada em R$ 110 bilhões, um devoto da meritocracia e do controle de custos. Mas esse é o jeito que a empresa atua e, segundo Kapitanovas, seus funcionários concordam. “Claro que há problemas e ajustes são necessários”, diz o executivo. “Mas acreditamos nos nossos valores e no nosso propósito.”

Apesar de toda propaganda sobre a felicidade, nem tudo são flores na vida das duas empresas. Em janeiro deste ano, o engenheiro de software Steve Yegge se demitiu do Google após 13 anos de uma bem-sucedida carreira, na qual ganhou notoriedade ao criar o Grok, um serviço voltado para desenvolvedores. Yegge saiu atirando na cultura corporativa. Ele chamou a empresa de arrogante, conservadora e cheia de politicagens, como qualquer outra grande companhia. “O Google não é mais um lugar inspirador para trabalhar”, escreveu o engenheiro, em seu blog. O Google não comentou as afirmações. Já a Ambev, no final da década passada, enfrentou uma série de processos por assédio moral.
Em um deles, um ex-funcionário, evangélico, processou a empresa por ter sido obrigado a ficar numa sala com uma prostituta. Supostamente, seria um “bônus” pelo seu bom desempenho. A Ambev afirma que são processos antigos e que já foram resolvidos. A má notícia para o trabalhador brasileiro é que o mais recente Relatório Mundial da Felicidade, publicado pela ONU, mostra que o País está mais triste. O Brasil caiu seis posições, em 2018, em relação ao ano anterior, ficando na 28ª colocação entre 156 países – o ranking é liderando pela Finlândia. O estudo aponta alguns motivos para a queda, como o fato de que 36% dos brasileiros considerarem que seus rendimentos são insuficientes para cobrir todas as necessidades. A percepção de corrupção generalizada, a violência e a crise econômica também são apontadas como fatores para a deterioração do sentimento de contentamento da população.

No aspecto mais triste dessa situação, o Brasil enfrenta um crescimento no número de suicídios. Entre 2011 e 2015, os casos aumentaram em quase 12%, chegando a 11,7 mil em 2015, de acordo com dados do Ministério da Saúde, divulgados no fim do ano passado. Essa já é a quarta maior causa de morte entre jovens de 15 a 29 anos, justamente quando estão entrando no mercado de trabalho. Proporcionalmente, no entanto, os idosos são os mais atingidos, em virtude do abandono e do sentimento de inutilidade social a que muitos são relegados. O primeiro passo para a felicidade é o autoconhecimento, de si e da cultura empresarial em que está inserido. O segundo é alinhar as expectativas, os valores e reconhecer os esforços individuais. Ainda não inventaram a fórmula da felicidade, é verdade. Mas há um caminho.

Disponível em https://www.istoedinheiro.com.br/e-possivel-ser-feliz-no-trabalho

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