Rodrigo Caetano
A depressão provoca uma perda anual de US$ 246
bilhões na economia global. Entenda por que a busca pela felicidade agora faz
parte da estratégia de grandes empresas e como o autoconhecimento é parte
fundamental para você se encontrar na profissão
No escritório do
Google em São Paulo, um grupo de funcionários se reúne diariamente, ao
meio-dia, para meditar. Eles praticam o mindfulness (atenção plena, em inglês),
que busca usar técnicas de concentração e respiração para melhorar a qualidade
de vida. Na cervejaria Ambev, o foco é outro. A empresa acredita na recompensa
pela meritocracia. A ênfase nos resultados é um valor da companhia de Jorge
Paulo Lemann, Beto Sicupira e Marcel Telles, que procura contratar
profissionais ambiciosos e arrojados. São empresas muito diferentes, mas com
uma característica em comum: seus funcionários são engajados e seguem à risca
suas culturas corporativas. Por isso, tanto Daniel Borges, diretor de
recrutamento e seleção do Google, como Fábio Kapitanovas, vice-presidente de
gestão e pessoas da Ambev, garantem que é possível ser feliz em ambas as
corporações.
Apesar de o tema
ainda ser controverso, as empresas têm se preocupado cada vez mais com seu
papel na saúde mental dos empregados. Isso significa que a busca pela
felicidade está deixando de ser uma atividade restrita ao tempo livre das
pessoas. Até universidades, como a Yale, criaram cursos sobre o tema. O
“Psicologia e boa vida”, lançado no início deste ano, esperava reunir uma
centena de alunos. Após ultrapassar a marca de mil inscrições, a universidade
disponibilizou seu maior auditório para as aulas. “Não há como ser eficiente
com funcionários infelizes”, afirma Fernando Mantovani, diretor-geral da Robert
Half no Brasil, uma das maiores empresas de recrutamento do mundo. “É preciso
mudar a forma como encaramos essa questão.”
Há um motivo
econômico que leva a felicidade a entrar na pauta das empresas. Um estudo
realizado, em 2016, pela London School of Economics (LSE), um dos mais
prestigiados centros de estudos da Inglaterra, aponta que a depressão, doença
que ganhou o título de “o mal do século 21”, é responsável por uma perda de US$
246 bilhões na economia mundial, em decorrência do absenteísmo e da redução da
produtividade. Dos oito países pesquisados pela LSE, o Brasil é o segundo mais
afetado, com um prejuízo de US$ 63,3 bilhões, atrás apenas dos Estados Unidos
(leia quadro na pág. 42). No ano da pesquisa, a Previdência Social brasileira
registrou o afastamento de 75 mil trabalhadores por depressão. Outro fator
relevante é o aumento de 17% nos casos de ansiedade, entre 2012 e 2016, no
Brasil. É preciso levar em consideração que a pior recessão da história do País
contribuiu para amplificar o problema. “A crise econômica também dificulta o
avanço do tema nas empresas”, diz Mantovani.
A culpa pela
depressão corporativa sempre recaiu sobre o funcionário. Era ele quem deveria
ser forte o suficiente para aguentar a pressão e ter resiliência. Mas isso pode
ser perigoso quando extrapolado. No Japão, a jornalista Miwa Sado, repórter da
maior emissora de TV pública japonesa, a NHK, morreu por insuficiência cardíaca
após trabalhar 159 horas extras em um mês. O episódio aconteceu em 2013, mas só
foi divulgado em outubro do ano passado. O caso reabriu as discussões sobre o
equilíbrio entre vida e trabalho no Japão, que registrou, em 2016, mais de dois
mil suicídios relacionados ao estresse corporativo. O trabalhador tem, de fato,
uma responsabilidade por sua saúde mental. Mas é inegável que o ambiente de
trabalho colabora ativamente para agravar quadros depressivos.
E o pior: são os
funcionários mais engajados que sofrem mais, de acordo com Silvia Jardim,
médica psiquiatra e professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro
(UFRJ). Isso se deve ao fato de o bom empregado se importar mais com o
resultado do trabalho. Quanto maior é a vontade de produzir, maior é o
desencanto, o que leva ao esgotamento. “É uma contradição do nosso modelo de
produção”, diz Silvia. Para mudar essa realidade, é preciso repensar o próprio
sentido do trabalho. O emprego tem um significado que transcende as relações
entre empregado e empregador. O homem corporativo não é feliz em si mesmo. Ele
precisa de status, posição e título. Daí a frustração quando as coisas não dão
certo. “O que a pessoa faz é parte importante do que ela é”, diz a professora
da UFRJ.
A felicidade ainda é um tema controverso para o
universo do trabalho, especialmente quando envolve doenças psiquiátricas, como a
depressão e a bipolaridade. Alguns tabus em relação ao papel das empresas
na saúde mental dos seus empregados precisam ser quebrados. A executiva Dyene
Galantini, diretora adjunta de marketing da IHS Markit, multinacional britânica
que atua no setor de informação e inteligência, foi diagnosticada, há 10 anos,
com transtorno bipolar, doença grave que se caracteriza pelas alterações
extremas de humor. Ela escreveu o livro “Vencendo a Mente – Como uma executiva
de sucesso superou o transtorno bipolar” para derrubar as barreiras sobre a
doença. “A maior dificuldade é o estigma e o preconceito”, afirma Dyene. Um
problema semelhante afetou a vida da empresária Fátima Macedo, que criou uma
consultoria especializada em saúde emocional. Sua irmã foi diagnosticada com um
transtorno mental grave e foi demitida. Com a Mental Clean, criada em 2004,
Fátima trabalhou em empresas do porte de Alcoa, Unilever, Furnas, John Deere e
Aché para ajudá-las a melhorar o ambiente.
O estresse
relacionado ao trabalho se tornou uma das principais causas de afastamento de
funcionários, no Brasil e no mundo. Uma pesquisa conduzida pela International
Stress Management Association, organização britânica dedicada ao tema, aponta
que 90% dos trabalhadores brasileiros apresentam algum nível de ansiedade,
sintoma que é um dos precursores do burnout, síndrome que se caracteriza pela
exaustão emocional, despersonalização, redução da realização pessoal e está
diretamente relacionada à organização do trabalho. O termo, que se traduz em
esgotamento, ganhou força na última década.
As agruras de viver
essa realidade é algo que Laís Trajano, sobrinha da empresária Luiza Helena
Trajano, controladora do Magazine Luiza, conhece muito bem. Ela trabalhava em
uma das maiores empresas brasileiras (cujo nome prefere manter em sigilo)
quando sofreu um esgotamento. “Eu não conseguia agir, era como se nada fizesse
sentido”, afirma Laís. Até então, ela era uma funcionária arrojada, pró-ativa,
interessada e intraempreendedora, com objetivos pessoais e profissionais alinhados
à estratégia do negócio. Cresceu rápido na carreira, chegando logo a cargos de
gerência. Para quem olha de fora, poderia parecer uma vida perfeita. Mas, para
ela, alguma coisa estava fora do lugar. “Eu descobri que precisava de um
propósito”, diz a executiva, que decidiu largar o emprego para “se encontrar”.
Não foi uma decisão fácil. Afinal, o trabalho representa uma grande parte da
personalidade das pessoas.
Laís conta que,
para sair da situação de esgotamento, teve de recorrer a uma série de ferramentas,
desde consultas com psicólogos até meditação. Foi uma busca interna por sentido
e autoconhecimento, que a ajudou a afastar a inércia e a paralisação
decorrentes do burnout. Uma viagem pelo mundo, com uma importante passagem pela
Índia, foi fundamental nesse processo. Quando voltou ao Brasil, ela não só se
reencontrou emocionalmente como achou um emprego ideal na Avante, empresa
social, criada pelo ex-sócio da XP Investimentos Bernardo Bonjean,
especializada na concessão de crédito em regiões de baixo poder aquisitivo.
A companhia já
oferecia algo que Laís procurava: um propósito – no caso, o de melhorar a vida
das pessoas por meio do poder financeiro. Mas havia o algo a mais. Contratada
para dirigir a área de recursos humanos, ela conseguiu implementar um programa
de felicidade no trabalho que, inclusive, conta com uma pessoa focada
exclusivamente no tema. Trata-se da indiana Rajshree Patel, uma especialista em
construir ambientes de trabalho felizes, que foi nomeada como Chief Love
Officer, uma espécie de diretora-executiva do amor. Segundo Bonjean, o mundo
corporativo está gerando milhões de pessoas infelizes e era necessário fazer
algo. “Recursos humanos são apenas recursos. Pessoas são fontes de energia”,
afirma o CEO da Avante.
Considerada uma das
mais pessoas mais influentes no campo do desenvolvimento pessoal, Raj, como é
conhecida, assumiu a liderança do projeto de felicidade da Avante. A indiana já
ministrou palestras em 35 países e trabalhou com companhias como Shell, Morgan
Stanley, a Universidade Harvard e entidades como a ONU e o Pentágono, o comando
militar dos Estados Unidos. O primeiro passo para a felicidade, diz ela, é
fazer as pessoas se conhecerem. O autoconhecimento, através da meditação ou
outros métodos, como terapia, é o ponto de partida. Na Avante, os funcionários
são incentivados a buscarem esse tipo de exercício e, caso queiram, recebem
orientações de como fazer.
O ponto mais
delicado, no entanto, está na liderança. Encontrar um estilo equilibrado de
comando é a peça-chave para uma empresa feliz. O trabalho de Raj consiste em,
primeiro, convencer os líderes a encontrarem esse autoconhecimento. Depois,
eles devem estabelecer uma dinâmica que respeite a individualidade dos
comandados. Para ela, há uma diferença entre inteligência e consciência. No primeiro
caso, trata-se de uma habilidade de análise daquilo que faz parte do seu dia a
dia. No segundo, o que conta é a capacidade de compreender o que está fora da
sua realidade. “Um executivo que gera riqueza, mas gasta metade de sua saúde,
pode ser inteligente, mas não é consciente”, diz Raj.
ENGAJAMENTO Uma pesquisa feita pela Robert
Half aponta que ter orgulho da organização em que trabalha e ser tratado com
igualdade e respeito são os principais geradores de felicidade no trabalho
(confira quadro “Em busca da felicidade“). O estudo avaliou os níveis de bem-estar de 23 mil profissionais, em oito
países. A conclusão é que a felicidade é resultado da combinação entre a pessoa
certa, na empresa certa, fazendo um trabalho interessante e significativo.
“Isso só é possível quando a empresa é transparente”, diz Alexandre Teixeira,
jornalista e escritor, autor do livro Felicidade S.A., resultado de uma extensa
pesquisa sobre o assunto. Ele afirma que, em seus estudos, encontrou três
empresas que, de fato, trabalham de forma eficiente a questão da felicidade: o
Google, por sua capacidade de contratar e formar funcionários engajados; a
Kimberly-Clark, que, no Brasil, conseguiu transformar um ambiente tóxico,
resultado da fusão de duas empresas com culturas diferentes, em um lugar
harmonioso (procurada, a empresa não deu entrevista); e a Ambev.
Encontrar a fórmula da felicidade é uma missão
praticamente impossível. Mas existe um caminho para se chegar ao equilíbrio no
escritório, e ele passa pelo autoconhecimento. O engenheiro Ricardo Oliveira, do
Google, é um dos praticantes da meditação ao meio-dia. A atividade tem apoio da
empresa, que permite a realização das sessões durante o expediente, em uma das
salas de reunião. “Na correria do dia a dia, isso ajuda a manter o equilíbrio”,
afirma Oliveira, que é conhecido como RSO entre os colegas. O Google é seu
segundo emprego. Desde que passou a trabalhar para o gigante da tecnologia,
Oliveira conta que sua vida e sua personalidade mudaram bastante. “Hoje, eu sou
mais feliz”, afirma o engenheiro. Ele demonstra ser identificado com os valores
e o propósito da empresa, pontos que contam muito para o sentimento de
realização.
Mas
isso não acontece naturalmente. Sua felicidade, apesar de ser fruto do esforço
pessoal, foi orquestrada pela companhia a partir do primeiro contato. A
estratégia, em curso desde a fundação do Google por Larry Page e Sergey Brin,
envolve uma máquina corporativa eficiente, cujo objetivo é a contratação e a
formação de “googlers”, como gostam de se referir, a si próprios, os
funcionários da companhia. Esse rito começa a funcionar no momento da seleção
dos candidatos. Segundo Daniel Borges, diretor de recrutamento e seleção da
companhia, todas as contratações passam por uma comissão formada por diretores,
nos Estados Unidos. O objetivo é garantir que o contratado tenha o perfil
adequado para o Google e não apenas a capacidade técnica de realizar o trabalho.
Com isso, a empresa garante uma unidade de pensamento. Pode não parecer, mas
ter um padrão de comportamento bem definido na empresa é um dos principais
motivadores da felicidade.
Mas o que explica o
fato de algumas pessoas serem felizes em ambientes considerados pouco saudáveis
pelo senso comum, como a Ambev? Apesar da cultura agressiva pela qual a
companhia é conhecida, a cervejaria é um caso clássico de empresa com
transparência. Quem se identifica com seu estilo pode ser muito feliz lá
dentro. Caso contrário, é melhor nem tentar. “Nós acreditamos na meritocracia”,
afirma Fábio Kapitanovas, vice-presidente de gente e gestão da companhia. “Isso
significa dar autonomia para que a pessoa atinja seus objetivos.” A pressão por
resultados é enorme na Ambev, um reflexo da postura de seu principal líder,
Jorge Paulo Lemann, o homem mais rico do Brasil, dono de uma fortuna estimada
em R$ 110 bilhões, um devoto da meritocracia e do controle de custos. Mas esse
é o jeito que a empresa atua e, segundo Kapitanovas, seus funcionários
concordam. “Claro que há problemas e ajustes são necessários”, diz o executivo.
“Mas acreditamos nos nossos valores e no nosso propósito.”
Apesar de toda
propaganda sobre a felicidade, nem tudo são flores na vida das duas empresas.
Em janeiro deste ano, o engenheiro de software Steve Yegge se demitiu do Google
após 13 anos de uma bem-sucedida carreira, na qual ganhou notoriedade ao criar
o Grok, um serviço voltado para desenvolvedores. Yegge saiu atirando na cultura
corporativa. Ele chamou a empresa de arrogante, conservadora e cheia de
politicagens, como qualquer outra grande companhia. “O Google não é mais um
lugar inspirador para trabalhar”, escreveu o engenheiro, em seu blog. O Google
não comentou as afirmações. Já a Ambev, no final da década passada, enfrentou
uma série de processos por assédio moral.
Em um deles, um
ex-funcionário, evangélico, processou a empresa por ter sido obrigado a ficar
numa sala com uma prostituta. Supostamente, seria um “bônus” pelo seu bom
desempenho. A Ambev afirma que são processos antigos e que já foram resolvidos.
A má notícia para o trabalhador brasileiro é que o mais recente Relatório
Mundial da Felicidade, publicado pela ONU, mostra que o País está mais triste.
O Brasil caiu seis posições, em 2018, em relação ao ano anterior, ficando na
28ª colocação entre 156 países – o ranking é liderando pela Finlândia. O estudo
aponta alguns motivos para a queda, como o fato de que 36% dos brasileiros
considerarem que seus rendimentos são insuficientes para cobrir todas as
necessidades. A percepção de corrupção generalizada, a violência e a crise
econômica também são apontadas como fatores para a deterioração do sentimento
de contentamento da população.
No aspecto mais
triste dessa situação, o Brasil enfrenta um crescimento no número de suicídios.
Entre 2011 e 2015, os casos aumentaram em quase 12%, chegando a 11,7 mil em
2015, de acordo com dados do Ministério da Saúde, divulgados no fim do ano passado.
Essa já é a quarta maior causa de morte entre jovens de 15 a 29 anos,
justamente quando estão entrando no mercado de trabalho. Proporcionalmente, no
entanto, os idosos são os mais atingidos, em virtude do abandono e do
sentimento de inutilidade social a que muitos são relegados. O primeiro passo
para a felicidade é o autoconhecimento, de si e da cultura empresarial em que
está inserido. O segundo é alinhar as expectativas, os valores e reconhecer os
esforços individuais. Ainda não inventaram a fórmula da felicidade, é verdade.
Mas há um caminho.
Disponível em https://www.istoedinheiro.com.br/e-possivel-ser-feliz-no-trabalho